Diário da anorexia intelectual, cap. 2

Publicado  quinta-feira, 14 de abril de 2011

Entrou em casa como se adentrasse o velório dos próprios ideais.
O egoísmo; a cólera; a ganância; a crueldade.
A morte.
Os males inapeláveis do homem.
E os seus também, sem sombra de dúvida.
Não queria mais pensar naquilo; queria paz, queria resignação, pour enfanter de belles pensées.
Queria hedonismo, queria alienação optada.
Era terrível não conseguir enxergar claro através do inferno dos próprios pensamentos.
Não sabia até que ponto o efeito Pigmalião havia transformado sua percepção, mas, irresoluto, decidiu deixar aquilo de lado.
"É inconcebível..." - murmurou desfalecido.
Não entendia como a incongruência da vida podia desapontá-lo tão mais que as outras pessoas.
Como viver subjugado ao horror da realidade?
Era impraticável atravessar os dias daquela maneira.
Estudava, conversava e até ria, mas ao cair da noite, as mesmas idéias o assombravam.
Deitava-se, tentava dormir, tentava esquecer.
Tudo em vão.
E não importava o quão grande fosse seu amor ou o quão grande fosse sua dor, nenhum abriria caminho na desesperança da noite.
"A iniqüidade não têm remédio... eu não tenho remédio" - pensava.
Seus devaneios eram tão profundos que ele chegava a se comparar a Fausto.
Mas então amanhecia, e a rotina engolia as queixas, o medo, a dúvida... a lucidez.
E pouco a pouco, imperceptivelmente, o sofrimento começava a dar-lhe personalidade.
E, ainda que contra sua vontade, sem mágoa nem saudade, enfim, o tempo passou...
Porque o dia em que ele deixou morrer em si a perplexidade foi o mesmo em que ele se compadeceu dos homens, e afinal descobriu que a bondade não é uma virtude passiva.

0 comentários: