Minha certeza não é certa

Publicado  sábado, 5 de março de 2011

"...Pois tudo o que se sabe do amor/ É que ele gosta muito de mudar/ E pode aparecer onde ninguém ousaria supor..."
[adriana calcanhoto, na voz de marisa. é de apertar o repeat. incrível.]


.::. Na minha frente havia dois caminhos. E eram, os dois, floridos.

A vida inteira não me faltou despudor e desprendimento de abandonar a metade do que quer que fosse, para me completar do que quer que me enchesse mais por aí a fora. Não me faltou coragem de tentar de novo, mesmo quando ardia por dentro e aquilo que batia sozinho, no escuro, pedia pra eu parar, por favor.

Fantasiada de carência, a minha liberdade passeava folgada por toda parte.

Ouvindo Marisa Monte em notas doídas e compassadas. Comparadas a Chico Buarque, tristemente profundo, desafinado e verdadeiro. Se Chico fosse afinado, seu samba seria a perfeição, e há de se convir que muita gente já derrama litros de emoções com a imperfeição, imagine então, com o contrário. Chico emociona porque tem a verdade errada das coisas; Marisa dói, porque é bonito e, beleza demais, machuca.

Procurando bem, todo mundo tem pereba, só a bailarina que não tem.

E tanto tempo passou desde quando era fácil depositar as culpas e os fracassos na vontade de ter afago de quem quer que fosse. Afago pra chamar de seu. Faz tempo que a minha vontade de cafuné virou vontade de quebra cabeça, sem frestas, sem furos, nem espaços por onde pudesse fugir a minha metade torta.

Enquanto o tempo passava, a minha certeza de uma só metade ficou perdida no meu quebra-cabeça completo de peças sem encaixe.

Mas eles são dois. Dois, e apenas dois, de tantos que falam comigo todos os dias, dentro do meu cérebro apressado nas ruas de São Paulo. São eles que andam comigo nas ruas arborizadas dos Jardins e pelo fedor calorento da yakisoba da Avenida Paulista. Andam comigo - e em mim - aonde quer que eu vá, de lá pra cá. Andam de fora pra dentro de mim, e saem de mim ainda mais fortes gritando paródias pelo mundo.

O poeta é um fingidor.

E da hora que eu acordo, até o último frame de segundo em que meus olhos se mantém abertos, o radar sensível que - por alguma razão - se instalou dentro de mim, capta as nuances e armazena. Sou um arquivo ambulante de coisas pela metade, mas a verdade é que, mesmo em pedaços, a minha mágoa é inteira porque, quando o mundo inteiro grita as desilusões de todas as pessoas no seu ouvido, acaba-se sofrendo um pouco por cada uma delas, também.

Sofrer vocês é sofrer a minha eterna dúvida de não saber o que é melhor pra mim.

Começo coisas e paro pela metade não porque eu não queira ver o final feliz se estampar no meu rosto desacreditado. Interrompo o gozo no meio porque, pra mim, a aflição dos novos começos atropela a calmaria do que já é meu.

Não é que eu não ame você, é só que eu não tenho certeza.
Os Strokes têm razão.

Mas a minha racionalidade se perdeu justamente onde eu a encontrei. Naturalidade demais me rendeu infelicidade, mas quando resolvi ser simetricamente certeira, perdi a emoção.

Finjo, então, ser dor. Aquela que sinto de verdade.
E vou.

No estreito do meio das decisões, esperando não haver escapatória, ignorando a visão das laterais, curvada, escondida, cardiacamente apressada por um final que, nem eu mesma, poderia palpitar.

Na minha frente há dois caminhos. E são, os dois, floridos.
Eu continuo sem buquê.


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